terça-feira, 1 de maio de 2018

Daniela Vega, ‘Uma mulher fantástica’...e muito premiada

(Foto: Internet)

Mais do que uma celebração da diversidade sexual e da pluralidade de identidades afetivas, a vitória de “Uma mulher fantástica” na festa do Troféu Platino 2018, anteontem, no México, coroou duas lutas. De um lado – o lado moral, cívico e ético – foi consagrada a peleja contra a transfobia; do outro – o lado industrial – consolidou-se a imagem do Chile como uma das maiores potências audiovisuais das Américas. Sobrou para o realizador Sebastián Lelio - hoje o queridinho da vez do cinema chileno nas telas, após ter sido coroado com o Oscar de Filme Estrangeiro em março – ganhar as laúreas de melhor longa-metragem, direção, atriz (para a trans Daniela Vega), roteiro, montagem e júri popular.

“Este troféu diz muito sobre o lugar onde nós, latinos, podemos chegar com o cinema, falando uns com os outros, falando uns para os outros. A circulação de filmes entre nós ainda é difícil, mas eventos como este são sementinhas numa lavoura de identidade audiovisual”, disse Lelio “ao Jornal do Brasil” antes de começar a festa, disputadíssimo no tapete vermelho mexicano. “A ideia inicial deste filme com Daniela nunca fui questionar a intolerância, e sim celebrar nossa capacidade de mudar em busca da felicidade”.

Igualmente concorrida, sua estrela, Vega foi ovacionada por onde passou, sobretudo em seu discurso de agradecimento: “Caí muitas vezes. Ao cair, experimentei gestos de humanidade. Levantei sempre. Levanto pelas mulheres, pelos direitos humanos, por nós todos. Levantem vocês também. Viva o cinema!”, disse ela com o Platino em mãos. O melhor ator dos Platino.18 também veio do Chile: ausente da festa, Alfredo Castro, o Al Pacino dos nossos vizinhos de América do Sul, foi galardoado por seu desempenho em “Los perros”, sensação latina da Semana da Crítica de Cannes em 2017. No longa, ele vive um professor de hipismo que, nos anos 1970, esteve ligado a aparelhos de tortura de Pinochet.

Não houve gafes na festa do Platino, que correu bem divertida, no complexo hoteleiro classe AA XCaret, localizado nas cercanias de Cancún. Coube a um campeão mexicano de bilheteria, o ator e diretor Eugenio Derbez (parceiro de Adam Sandler em “Cada um tem a gêmea que merece” e realizador do fenômeno “Não aceitamos devoluções”) a tarefa de comandar a cerimônia, que fluiu com boas piadas, números musicais calcados em esboços de “Despacito” e de “Macarena” e homenagem à atriz mexicana Adriana Barraza (de “Babel”). “Esta premiação surgiu há cinco anos para abrir as fronteiras de difusão de nossos filmes, reconhecendo também o valor das séries de TV, pois a televisão é uma parceira fundamental à popularização de nosso cinema”, disse Rafael Sánchez Jiménez, diretor de relações institucionais e comunicação dos Platino, que não deixou de lado “Zama”, o mais recente trabalho da aclamada cineasta argentina Lucrecia Martel.

Coprodução da Argentina com o Brasil (via Bananeira Filmes, mesclado a um dedo da El Deseo de Pedro Almodóvar), “Zama” estava indicado em oito frentes e disparou a vencer em láureas técnicas de coeficiente artístico: som, fotografia (dado ao mestre luso da luz, Rui Poças) e direção de arte, confidado à pernambucana Renata Pinheiro, que inflamou a festa ao pedir que todos gritassem “Lula livre!”. Em cartaz no Brasil também com “Severina”, Poças fotografou o badalado filme nacional de lobisomem “As boas maneiras”, que ganhou o Prêmio Especial do Júri em Locarno, na Suíça. “Lucrecia me permitiu fazer parte de um processo criativo no qual foi extraindo sua própria visão do romance homônimo de Antonio di Benedetto no qual se baseou”, disse Poças ao JB.

No terreno do real, a láurea de melhor longa documental foi dado a “Muchos hijos, un mono y un castillo”, do espanhol Gustavo Salmerón, um ator que regista as excentricidades de sua mãe. Aliás, a Espanha passou pela festa dos Platino feito um trator, a derrubar a concorrência – menos os chilenos. Primeiro troféu a ser entregue na festa, o prêmio de melhor longa-metragem de estreia ficou com a espanhola Carla Simón por “Verão, 1993”, centrado nos esforços de uma jovem para criar uma órfã soropositiva. Sucesso de público na Europa, a produção madrilena em computação gráfica “Tadeo Jones 2: O segredo do Rei Midas”, de Enrique Gato e David Alonso, foi eleita melhor animação. E ainda teve um mimo para drama de época basco “Handia”. Baseado em fatos reais, sobre um artista circense com gigantismo, o longa orçado em € 3,5 milhões, foi contemplado com o prêmio especial de Educação e Valores, cota de moral e cívica dos Platino.


Daniela Vega e Sebastian

Ano que vem, o Oscar Latino (como o evento Cancún foi apelidado) sai do México e vai para a Europa, possivelmente para um país ibérico. Um dos astros que entregaram troféus na noite, o ator português Joaquim de Almeida (que enfrentou Jack Bauer na série “24 Horas”) espera que seja em solo lusitano, para acabar com uma deformação que ele enxerga no evento. “A cota do Platino dedicada à língua portuguesa é muito pequena, seja do lado de Portugal, seja do lado brasileiro”, lamentou Joaquim, que protagonizou a comédia nacional “O duelo”, em 2012. “O português é um idioma bonito e rico que merece ter espaço para se expressar na tela grande, fazendo-se conhecer pelos diferentes países das Américas”.

*Rodrigo Fonseca é roteirista e presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)

Fonte: Jornal do Brasil

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